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Como falar de coisas que não existem
26.05.2014
Professores de Humanas da Diretoria de Ensino Leste I em São Paulo conversam sobre existência, realidade e a arte do dia a dia

O dia começou animado para os professores de Artes e Ciências Humanas da Diretoria de Ensino Leste I (DE). Logo cedo, às 7h30, eles já chegavam à sede da DE, na cidade de São Paulo, para um Encontro de Formação em Arte Contemporânea com o Educativo Bienal.

“Sejam todos muito bem vindos. Hoje nessa parceria com a Bienal vamos falar de arte contemporânea. Afinal a arte é ferramenta para todos nós”, disse Vânia Maciel Professora Coordenadora do Núcleo Pedagógico de Artes da DE na abertura do encontro.

Pablo Tallavera, palestrante do Educativo Bienal, também deu boas vindas aos professores e disparou: “O trabalho do professor é uma peça fundamental para a transformação, e a arte contemporânea é uma ferramenta importante para todos nós, pois o ser humano contemporâneo é diferente, é uma nova configuração.”

O assunto do encontro foi “Como falar de coisas que não existem?” que é também o título da 31ª Bienal, exposição que acontece a partir de 6 de setembro no Pavilhão da Bienal.“Eu acho essa pergunta um paradigma, pois quando você fala de uma coisa, ela já passa a existir, e vocês o que acham?” perguntou o palestrante.

Para o professor de Filosofia Ismael de Oliveira (foto), falar de coisas que não existem é trabalhar com a imaginação, com um campo fértil da arte e da filosofia. 

 

“Sobre o conceito de existência, o que de fato existe? Na nossa cultura pensamos o que é concreto que existe. Mas, na verdade, podemos falar de coisas invisíveis, que não vemos”, completou o professor de Filosofia Gilberto Dias dos Santos 

Para continuar a conversa sobre coisas que não existem, Tallavera mostrou a obra classicista O Juramento dos Horácios (1784), do pintor francês Jacques-Louis David.

“Esta cena está acontecendo? Não. Então essa obra é uma representação do que aconteceu, é uma pintura. Ela existe? Tem várias chaves de entrada para vocês entenderem porque paramos de fazer pintura e fomos mudando o modo de fazer arte. Por que os artistas aboliram a representação? Porque a modernidade fez isso?” indagou.

De acordo com a professora de artes Kelly Cristina dos Santos o mundo estava em transformação, em ebulição,e o homem no centro começou a se questionar para uma necessidade de realidade, de concretude mesmo.

Segundo a professora de artes Elisangela Germano de Oliveira o motivo que contribuiu para essa mudança na arte foi a invenção da máquina fotográfica.

“Com certeza a fotografia influenciou, porque o pintor ficou sem função, e ai começa a rever o conceito de ‘tradutor da realidade’. Hoje sabemos que a fotografia também não é um registro da realidade e sim um registro do olhar do fotógrafo sobre a realidade, e o mesmo acontecimento pode ser visto de diferentes maneiras e interesses”, completou o palestrante.

Para a professora de artes Valéria Aguiar todas as realidades existem e são sobrepostas. Tallavera concordou com Aguiar e disse: “A loucura e a esquizofrenia são caminhos. Mas é isso mesmo, tudo te afeta, ou é um afago ou uma confrontação.” 

 

Qual é a sua realidade?

Para ilustrar, o palestrante citou o exemplo dos impressionistas que saiam para pintar na rua, e como a luz natural influenciou diretamente nesses trabalhos, e mostrou o estudo da Catedral de Rouen, do pintor impressionista frânces Claude Monet, que retratou a igreja em diferentes momentos do dia.   

“Qual das catedrais é a real? Manhã ou tarde? Como meu olho enxerga? Por que ela muda com o passar do tempo? A luz? Qual é a diferença quando eu te vejo e quando outra pessoa me vê? O que é real para eu fotografar? Pintar? Representar?”, questionou.

Tallavera também apresentou o vídeo Natureza morta, da artista e cineasta inglesa Sam Taylor, no qual mostra a passagem do tempo através de um coelho e um pêssego em estado de decomposição.    

“Mas o pêssego não estragou, apenas o coelho, e por quê? Isso nos deixa inquietos”, destacou o professor de artes Luiz Henrique Nascimento (foto)

“É a desconstrução do real. E o que é real?, completou Miguel Muniz Faleira (foto) que também é professor de artes.

Roberto de Oliveira Silva, professor de Filosofia, respondeu: “Não acredito que exista realidade, é tudo interpretação.”

“O conceito do que é real vai se transformando e é cada vez mais restrito. O real é relativo. A ciência não dá conta de explicar nossa concepção de existência, por exemplo”, ressaltou o professor de artes Robin Gonçalves Mendes.   

Nesse momento, o palestrante mostrou o trabalho A traição das imagens, do artista surrealista belga René Magritte, onde aparece um desenho de um cachimbo com os dizeres: “Isso não é um cachimbo.”

“Cada vanguarda vai responder de um jeito a essas inquietações, de como a realidade está sendo questionada pelas regras, pela ebulição do seu tempo e pela tecnologia”, observou Tallavera.

 

A arte do cotidiano

Para aproximar os professores com a arte contemporânea, o palestrante apresentou alguns trabalhos do artista tcheco performático Jiri Kovanda, que faz interferências sutis no cotidiano, como convocar um grupo de pessoas numa praça e sair correndo, ou virar para trás, e dar de cara com uma pessoa, numa escada rolante que está subindo.

“Esse artista foge do padrão do mecanizado, por isso ele causa estranheza”,  disse a  professora de história Rosilene Cacuta. 

“O que prevalece nesses trabalhos é a intenção do artista. Não era para ser engraçado e sim transformador. A ideia do artista com o dom divino é romântica demais. Que habilidade especifica precisa para fazer essas ações? O artista é uma pessoa comum, que materializa uma ideia, com atividades simples”, disse o palestrante a respeito das intervenções de Jiri Kovanda.

O professor de artes Luiz Henrique do Nascimento concordou e disparou: “Nosso papel como professor é questionar o dia a dia e não formar desenhistas.”

De acordo com a professora Rosilene Cacuta existe um paradoxo na arte contemporânea: “Ela se aproxima do público e do cotidiano das pessoas, porém as pessoas se sentem distantes dela, pois a arte contemporânea quebrou modelos pré-estabelecidos. As pessoas se frustram em ver que o artista não é alguém melhor do que você, que não faz algo que você não sabe fazer. Afinal todos nós podemos fazer arte e produzir reflexão e pensamentos. Desconstruir a arte, é muito complicado.”

O palestrante também mostrou o trabalho Parque para pensar e brincar, do coletivo Contrafilé, que é um projeto de pesquisa e intervenção urbana no bairro do Jardim Miriam, na cidade de São Paulo.

“Por qual prisma você vai olhar esse trabalho? A arte se desprendeu da classificação, a arte está se misturando, e ela não tem validade”, destacou Tallavera.

“A obra é uma ocupação do espaço e quando você muda o espaço você transforma essa interação. Uma modificação do espaço causa uma mudança de comportamento no espaço”, disparou a professora de artes Elisângela Germano.

Para fechar, o palestrante convidou os professores a experimentarem e refletirem sobre a obra Caminhando, da artista plástica brasileira Lygia Clark.

Texto: Vivian Lobato
Foto: Sofia Colucci

 

 

 

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