Proponho aqui um breve relato da conversa, seguido por algumas questões que ficaram povoando meus pensamentos nas semanas seguintes ao encontro. A conversa não tomou percurso próprio, me parece que mais que deixar a curadoria rodeada por questões levantadas pelo grupo presente, acredito que fomos nós, o público, que saímos imaginando o que virá a ser esta Bienal. Os assuntos conduziram a noite para uma rápida sessão de terapia em grupo, de onde saímos todos com mais questões e inquietações sobre o nosso ambiente cultural belo-horizontino. Talvez seja esse um dos objetivos indiretos dessa proposta, compartilhar algumas das angústias de conduzir um evento desse porte, representativo de um país dessa dimensão e que cuide das urgências do momento atual. Acredito na genuinidade da proposta apresentada, e me tocou a honestidade com que os curadores se demonstraram aturdidos em como conduzir todos os anseios e o interesse em buscar uma outra maneira de produzir uma Bienal.
O encontro realmente parecia algo mais íntimo do que eu havia imaginado, alguns tantos artistas, produtores e pesquisadores da cidade, a equipe curatorial do Inhotim que havia ajudado a organizar o evento, preencheram o círculo criado na sala multi-uso do Museu Mineiro. A quantidade de pessoas presentes me surpreendeu, imaginei que a comunidade artística se mobilizaria mais para participar do dialogo, mas me pergunto se o público pouco representativo da diversidade da produção cultural da cidade foi em razão da divulgação via convites ou de uma real falta de interesse pela discussão.
Representaram a Fundação Bienal de São Paulo o curador Pablo Lafuente e a curadora associada Luiza Proença. Depois de breve introdução da superintendente de museus e de Júlia Rebouças, curadora do Inhotim, os curadores da 31ª Bienal se apresentaram e introduziram quais eram as razões e expectativas de estarem ali. Segundo Pablo, a equipe curatorial da próxima Bienal se propôs a assumir uma postura “Turista aprendiz”, termo usado por Mário de Andrade para intitular alguns de seus diários e crônicas originadas de viagens ao Norte e Nordeste do Brasil. No momento me pareceu interessante que a equipe curatorial, que com a exceção de Luiza, é inteiramente estrangeira, assumisse uma posição de turista, porém como uma das questões que permaneceram sem resposta me pergunto se o termo realmente transpassa uma postura que deixe de tratar da cultura brasileira de uma maneira exótica. Me pergunto também se a conduta permite que a curadoria consiga responder a algumas das urgências e questões próprias da sociedade brasileira pós Junho de 2013, que, segundo Pablo seria uma dos objetivos desta edição da Bienal.
Dando andamento à conversa, os curadores colocaram aos presentes questões que se referiam ao funcionamento do cenário das artes visuais em Belo Horizonte. Foram apresentadas diversas respostas que sugeriam que este cenário vem se complexificando mais e mais, de uma maneira interessante, tornando-se mais rico e diversificado. Belo Horizonte é uma cidade com reconhecida importância cultural, porém historicamente, notamos intensidade de atividade cultural seguida por períodos de maior estagnação. Podemos detectar participação de indivíduos com propostas independentes, que com o decorrer do tempo se esgotam devido às dificuldades econômicas e políticas. A transitoriedade também marca as instituições públicas que, com as mudanças de governos, tem seus corpos de diretores e gestores trocados por completo. Essa inconstância impossibilita que o cenário se desenvolva totalmente, e a cada período vemos uma série de espaços de produção, de exposições, propostas educativas, festivais, mostras e projetos de publicações desaparecerem. Na última década nota-se uma durabilidade maior das iniciativas, devido à políticas públicas culturais mais sólidas e à maior profissionalização dos proponentes.
Os presentes mencionaram diversas propostas e iniciativas que impulsionaram essas mudanças. O Bolsa Pampulha, que em 2002 substituiu o Salão de Belo Horizonte a partir de sua 27a edição, foi ressaltado como uma iniciativa que serviu de ignição para uma dinamização do panorama artístico da cidade, seja através dos artistas que viveram periodicamente ou pelos que permaneceram na cidade mesmo após o encerramento do programa, ou através dos curadores, críticos e outros artistas que vieram para acompanhar o desenvolvimento dos projetos. A maioria das iniciativas de promoção artística são de origem institucional, sendo as instituições locais, em sua maioria governamentais, propostas de cima para baixo. Porém nos últimos anos, muitos dos artistas que ficam sem apoios vêm buscando outras maneiras de realizar, mostrar e comercializar sua produção, ainda longe de ter a diversidade e dos padrões do cenário/mercado paulista, e também distante de ser uma maneira de subsistência para os artistas. Em seguida, muitos dos depoimentos apresentaram projetos dos próprios presentes, levando a questão de que, apesar do cenário ser pequeno, as pessoas não têm o costume de compartilhar informação e processos, uma constatação bastante sintomática, uma vez que os presentes não se conheciam entre si. Foram apresentados projetos como Ceia e Perpendicular, ações responsáveis por instituir a performance como prática nas instituições locais; Marginalia, de arte e tecnologia, o Centro de Arte e Tecnologia; a Mini Galeria – JA.CA; KazaVazia; Casa Camelo, entre outros ateliês coletivos.
O curador Pablo Lafuente instiga se além de espaços de apoio à produção a cidade tem fomentado um ambiente para a reflexão crítica. Alguns artistas reclamaram que em Belo Horizonte é difícil encontrar interlocução com pessoas que poderiam escrever textos críticos, Pablo sugere que os artistas se articulassem entre si, assumindo, mesmo que momentaneamente, o papel de crítico e escritor, um prática saudável de inversão de funções que pode criar um movimento de posições entre o sistema. Outros presentes discorreram sobre algumas revistas, desenvolvidas dentro da academia, como a Piseagrama, revista que já teve seis números publicados e que tem criado uma discussão interessante em torno de questões relacionadas aos espaços públicos (existentes, urgentes e imaginários).
Notamos a ausência destas pessoas, das que vêm propondo novos discursos e ampliando as delineadas fronteiras disciplinares na cidade. Em particular, demos falta de uma parcela bastante ativa da comunidade artística que vem atuando de uma maneira autônoma e que teve seu processo solidificado com os eventos políticos do ano passado. São grupos que integram profissionais de diversas áreas, arquitetos, urbanistas, artistas, músicos, legalistas e ativistas, que, com o processo das assembleias populares se dividiram em grupos de trabalho e desde então têm mobilizado e desenvolvido diversas experiências estéticas e sócio-culturais de grande potência. Algumas dessas iniciativas antecedem as manifestações atuais, como o Duelo de MCs, a Praia da Estação e o carnaval de rua, que cada um da sua maneira, conclama uma retomada da cidade e um uso mais democrático desta.
A cidade mineira percorre uma trajetória familiar ao das maiorias das metrópoles contemporâneas, apesar de que em alguns aspectos, devido a interesses políticos indissociados de ganhos econômicos, muitas decisões parecem contradizer o cenário internacional. Deste modo, nos últimos anos, acompanhamos algumas dessas transformações como o controle excessivo dos espaços públicos, onde pessoas são impedidas de até mesmo assentar-se à grama; a constante diminuição da área verde desta cidade que foi conhecida como cidade jardim; e a decisão que mais repercutiu no âmbito artístico: a transferência da administração estadual para uma das bordas metropolitanas, colocando em trânsito, 30mil trabalhadores públicos, que antes trabalhavam nas áreas centrais. Este deslocamento geográfico dos trabalhadores não significaria maiores alterações na dinâmica cultural não fosse a justificativa de tal mudança: que a liberação desses edifícios antes ocupados pelo Estado, seria feita para que fosse criado um grande complexo cultural, o Circuito Cultural Praça da Liberdade.
Os presentes buscam saber e entender mais como se materializará esta Bienal e então a dinâmica da conversa é alterada por um momento: o público passa a apresentar perguntas aos curadores, os quais respondem que ela funcionará como um laboratório, explorando maneiras de trabalhar, estimulando relações e diálogos entre modelos artísticos e fazendo da Bienal um experimento em como trabalhar – suspendendo, assim, a sua função de existir como um museu temporário. Tendo a massa de pessoas que visitam a Bienal como uma especificidade do evento, tendo a 30ª edição recebido 520 mil visitantes, os curadores desejam que pessoas que não estão interessadas pela arte venham a visitar a Bienal, argumentando que apesar do número de visitantes ser alto é ainda pouco representativo para o tamanho da cidade. Luiza e Pablo comentam sobre o projeto original de Niemeyer que previa o primeiro andar do prédio aberto, em diálogo com a marquise, ampliando o fluxo de usuários do parque pelo pavilhão da Bienal e trazendo um encontro espontâneo entre obras e público. Pude perceber durante essa conversa um aprisionamento do evento ao enorme espaço que o sedia, e que uma frustração prevista por Pablo é de que após todo o processo que antecede a abertura do evento, em qual buscam interagir com grupos de movimentos sociais distintos, promovendo a integração destes com artistas, tudo o que fosse visto pelos visitantes seria um grande prédio cheio de obras. Essa questão continuou ressoando para mim: como a Bienal poderia se desdobrar enquanto evento se não tivesse um lugar tão imponente para ser preenchido, como poderiam encontrar outros públicos e atuar sobre questões de maneira mais contextualizada? Seguimos a conversa sem chegar à respostas, um pouco frustrados por permanecemos com uma ideia ainda tão abstrata do que virá a ser a 31ª Bienal, tocados pelas angustias apresentadas por seus curadores e curiosos em saber se esta conversa teria saciado, de alguma maneira, a curiosidade daqueles “turistas”.
texto: Francisca Caporalli