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Encontro ou desencontro?
10.12.2013
Relato do Encontro Aberto da 31ª Bienal em Porto Alegre, em 11/10/2013, por Luisa Kiefer

To biennial or not to biennial: that is the question. É parodiando Hamlet que Maria Hlavajova, fundadora e diretora artística do BAK (Basis voor Actuele Kunst) em Utrecht, Holanda, propõe pensar sobre o papel das bienais hoje. A curadora sugere que antes de ponderarmos a respeito do fazer ou não fazer uma Bienal, deveríamos colocar em questão o como fazer uma Bienal, “(ou então o quê deveríamos fazer em uma Bienal), um processo que envolve discutir as formas e circunstâncias nas quais as coisas são feitas.”1 Tenho a impressão de que a 31a Bienal de São Paulo, ao propor a realização de encontros abertos com grupos de pessoas ligadas à cena artística e cultural, está fazendo justamente isso. 

Na tarde do dia 11 de outubro, na Sala Oeste do Santander Cultural, em Porto Alegre, Pablo Lafuente e Galit Eilat – dois dos cinco curadores da próxima Bienal – receberam cerca de 40 pessoas, entre jornalistas, escritores, críticos, artistas, curadores, produtores, diretores de instituições e professores, para uma conversa informal. Apesar do nome encontro aberto, as pessoas que ali estavam haviam sido previamente escolhidas e, na sala, não haviam mais cadeiras do que pessoas, ou seja, um sinal de que não estavam esperando mais pessoas do que as já convidadas.  O convite anunciava que as intenções do encontro eram “incorporar artistas, críticos, curadores e público geral no processo de concepção e organização da exposição, servindo simultaneamente como ferramenta de pesquisa e como forma de avaliação crítica”, mas imagino que muitos acreditavam que sairiam de lá sabendo tudo sobre o projeto curatorial e as ações que envolverão a 31a edição da mostra. Outros, pode ser, imaginavam que seria uma oportunidade para ter acesso, mesmo que rápido, aos curadores.  A tarde começou com uma breve introdução de porquê propor e realizar tal encontro. Logo no início os curadores deram a entender que, ao menos neste primeiro momento, vieram para cá com o intuito de ouvir, muito mais do que falar. Eles parecem ter chegado não só à São Paulo, mas ao país, com a vontade de conhecer e dialogar com um contexto nacional e, a partir disso, pensar o projeto curatorial. Uma ideia que, a priori, me parece bastante verdadeira e legítima. A realização destes encontros em várias cidades brasileiras é, portanto, um primeiro passo para aprender e apreender os sistemas e subsistemas próprios daqui, para aí sim poder estruturar a exposição. Ao meu ver, uma proposta simpática. 

Pelo Brasil afora, São Paulo é considerada o centro cultural e econômico do país. É a referência em termos de mercado e circuito de arte. Representa o lugar onde as coisas acontecem. É o destino de jovens no início de suas carreiras. É uma cidade que cativa pela quantidade de opções e possibilidades que oferece ao mesmo tempo em que intimida pela grande quantidade de gente. É uma cidade que carrega, para alguns, certa promessa de futuro. Lá estão as galerias fortes dentro do mercado de arte, os contatos com o exterior, a verdadeira circulação de capital, as redes de relações, as grandes exposições, feiras, etc. Lá está a Bienal de São Paulo.

Mas, durante a tarde não ouvimos nada disso. Pelo contrário, tivemos a oportunidade de falar e pensar sobre o lugar e contexto em que estamos e em que vivemos. Alguns pontos discutidos foram: a relação de Porto Alegre com a Bienal do Mercosul e com nossos países vizinhos, principalmente Argentina e Uruguai; as transformações que a Bienal do Mercosul trouxe para a cidade e para o nosso cenário; as relações de Porto Alegre com o resto do país e, também, com São Paulo; e, claro, o sistema de bienais. Foi lançada a pergunta de como era possível quebrar com um sistema estabelecido e criar algo diferente. 

De acordo com Marieke van Hal2, diretora fundadora da Bienal Foundation, nos últimos 20 anos surgiram cerca de 100 bienais ao redor do mundo, principalmente em países emergentes. A maioria parece nascer dentro de um sistema estabelecido de grandes mostras, formado também por um mercado neoliberal da novidade. Dentro disso, como fugir de algo que é sempre igual e que, a princípio, já nasce enrijecido dentro de amarras institucionais e moldes das grandes mostras?

A Bienal de São Paulo não faz parte deste boom de bienais. Ela é a segunda bienal mais antiga do mundo, tendo sido criada em 1951. Por isso mesmo, talvez o seu compromisso com pensar e propor novos caminhos seja ainda maior. Enquanto parte do público discutia a questão, me passava pela cabeça que uma proposta que nasce com a ideia de ouvir e conhecer diversos contextos de um país tão vasto como o Brasil, em certo sentido já é uma resposta a essas perguntas. Ou ao menos é uma tentativa de algo diferente. Durante as duas horas de encontro, Lafuente e Eilat quase não formularam perguntas. Como bons anfitriões, deixaram os convidados falarem e, em alguns momentos, até desviarem o foco da discussão.

Com esses encontros, o centro, que reúne as pessoas e promove o debate (como foi o caso da 28a edição da mostra com o evento Bienais, Bienais, Bienais...3), deixa de ser, mesmo que momentaneamente, São Paulo. Outras cidades do país são acessadas e outras cabeças pensantes são convidadas a participar, mesmo que por um dia, daquilo que talvez possamos chamar de fundações da bienal que está por vir. Os curadores não querem criar apenas mais uma bienal qualquer – tampouco acho que queiram fazer algo revolucionário –, mas não querem adentrar aquela cidade (São Paulo) sem saber o que se passa nesse país (Brasil). Não querem apenas escolher artistas e colocá-los em relação.

Entretanto, não temos como prever os resultados desse levantamento. Se isso gerará uma Bienal mais articulada com o país ou uma mostra que satisfaça nossos anseios teóricos e estéticos, não há como saber. Se, uma vez realizada, a 31a Bienal de São Paulo terá trilhado um caminho diferente e quem sabe apresentado algo novo, fora do sistema estabelecido, também ainda é uma incógnita. Uma característica fundamental das Bienais me parece ser a expectativa que geram em oposição ao que realmente nos despertam uma vez prontas e abertas à visitação. Nossas expectativas sempre são altas, não há como negar. No fundo, estamos sempre esperando por algo arrebatador, que nos tire do lugar.

Como foi bem lembrado por um dos presentes, nunca antes um grupo como esse, de pessoas que se conheciam e que partilham de um mesmo contexto de vida e trabalho, havia se reunido livremente para dialogar e trocar percepções diversas. Não temos o costume de discutir fora das nossas tribos habituais e, nesse sentido, talvez o encontro aberto da 31a Bienal de São Paulo tenha sido mais oportuno para nós do que para os próprios curadores. Fico em dúvida sobre o quanto foi possível, para eles, acessar verdadeiramente um contexto local. Fico em dúvida o quanto isso será possível ao longo destes encontros. Entretanto, quero crer em uma capacidade de perceber um contexto pelas entrelinhas das relações locais.

Penso que talvez o encontro tenha sido, de fato, como o episódio Futebol dos filósofos4, de Monty Python, onde o time dos gregos, do capitão Heráclito, joga contra o time dos alemães, do capitão Hegel. Uma partida onde os jogadores discutem sem parar e, no entanto, a bola – o mais importante – segue esquecida no meio de campo quase até o final do jogo. Diferentemente do vídeo, no nosso caso, não sei se chegamos a fazer algum gol, para um lado ou para o outro.   

Me parece sincero o desejo de diálogo, me parece sincera também a posição de querer viver este Brasil, que até então era terra de breves passagens e agora torna-se moradia. Porém, infelizmente, naquela tarde de futebol de filósofos, temo que quem tenha ficado de fora tenham sido justamente os nossos generosos anfitriões. Tirando todos os problemas e diferenças de tradução, me parece difícil adentrar uma discussão quando ela por vezes esbarra em questões tão pessoais e locais.

Retomando Hlavajova: o que Shakespeare nos ensina é que antes de decidir se To be or Not To Be, To Bienal or Not To Bienal, precisamos de um momento de pausa e reflexão. Precisamos pensar o como e o quê fazer antes de ir adiante. A proposta do grupo de curadores da 31a Bienal de São Paulo me parece estar de acordo com essa ideia.

texto: Luiza Kiefer

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Notas

1 HLAVAJOVA, Maria. How to Biennial? The Biennial in Relation to the Art Institution, 2010, p. 292-305. In: The Biennial Reader, editado por Elena Filipovic, Marieke van Hal e Solveig Øvstebø. Bergen: Bergen Kunsthall, 2010

2 A palestra proferida por Marieke van Hal durante o ciclo de debates da 28ª citada por Spricigo em SPRICIGO, Vinícius. Modos de representação da Bienal de São Paulo. São Paulo: Hedra, 2011, p. 119.

3 O ciclo Bienais, Bienais, Bienais… fez parte do projeto da 28ª Bienal de São Paulo, com curadoria de Ivo Mesquita e Ana Paula Cohen, e propunha discutir o modelo Bienal a partir da própria exposição.

4 Disponível em: http://youtu.be/lo53jcOjfJU (última visualização em 04/11/13)

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