No dia 21 de novembro de 2014 realizou-se, na unidade do SESC Rio Preto, um bate-papo dentro da programação da 31ª Bienal de São Paulo. Contamos com a presença do curador Pablo Lafuente, um dos integrantes do coletivo curatorial escolhido para a edição deste ano. A mim, foi dada a incumbência de relatar o que ocorreu e discorrer sobre a cena atual de Rio Preto.
São José do Rio Preto é um rio de contradições. Entre Silvas1 e Vermelhos2 há um multitude de artistas e obras que precisam ser ouvidas, pelo menos ecoadas para além de seus limites. Costumava-se dizer, nos meses de julho, durante o Festival Internacional de Teatro, que “Rio Preto estava artista”. Era um alento, ainda que o artista em foco era o artista-ator apenas. Nas artes visuais, “Rio Preto não é artista”. As políticas culturais inexistem. Cultura por aqui é piada. É orçamento de menor relevância e expressão. É assistencialismo e evento. É imediato e superficial. Não é política. Nem projeto. Nem longo prazo. Aqui os filmes são dublados. Ler dói. Ler faz mal. Igual a ter cancro.
Por aqui faltam espaços de exibição para as artes visuais. Os espaços públicos são precários, os privados escassos. Restam os shoppings, mas eles não são espaços para degustar arte, nem devemos cobrar por isso, uma vez que não foram forjados para tal. Por lá é fast food, best buy e tudo off.
Entretanto há vocações por aqui. Expressões que chegaram e persistem no correr das décadas.
A rua tem seus leitores. Tem aqueles que nela habitam, riscam e a colorem. Tem pixadores, grafiteiros, bombers, stickers e artistas contemporâneos que têm a rua como suporte. Tem fotógrafos com trabalhos autorais, que percebem a cidade e suas mudanças aceleradas. Seus corpos de carne e seus corpos de concreto. Tijolos pó de mico e backspins na praça central. Tem fotoclube. Tem uma produção teatral de renome nacional, com companhias premiadas e uma carga histórica imensa com o seu Festival de Teatro. Tem Paulo “pjota” Nimer, uma das principais revelações do circuito das artes visuais contemporâneas neste ano de 2014, com sua pintura fragmentada e reflexiva. Temos Cascatinha e Inhana3. Temos uma relevante representação de pintura naïf, inclusive com um museu dedicado à vertente. Do presente, pouco temos. A produção atual é estrangulada.
Instituições como o SESC e o SESI fazem as vezes do poder público, produzindo conhecimento para o público, fomentando a produção local e circulando artistas. O que fazer? Fazer. O que estamos fazendo. Trabalho de formiguinha. Trabalho independente e vascularizado. Indivíduos, coletivos, associações de classe. Intenções semelhantes por meio de diferentes ações. Tuike Souza, Cinemacaco, Paulo Fuscaldo, Varal de Renda, Contos de Réis, Art 165, Cenora Coletivo, Wilde Maurício, Arte na Garagem, casa de criar, Casa Kenty, A Casa, Fábrica de Sonhos, Azul Celeste, Cia. Dos Pés, Centro Cultural Roberto de Vasconcelos são algumas das formiguinhas a quais me refiro. Perdoem-me os que me fogem à memória neste momento.
Em 2015, São José do Rio Preto receberá uma itinerância, conforme explicou Pablo, contendo obras que fizeram parte da Bienal de São Paulo. Ao fazer isso, a Bienal democratiza o acesso ao que foi exposto por lá. Reforça o conceito de descentralização e desmistificação do fazer artístico. O Encontro inicia uma proposição de diálogo entre Bienal, SESC e comunidade artística local para debater, em conjunto, o que pode vir para cá. É uma oportunidade rica e sem precedentes. Para que tenha efetivo efeito, a comunidade artística rio-pretense deve participar de verdade. Digo isso, pois no evento poderia haver mais participantes. Poucos estavam lá.
Durante o encontro, lançou-se a questão sobre quais obras poderiam participar da Itinerância 2015. Falou-se de criticidade, falou-se de gentrificação do centro urbano, discutimos as relações conflituosas entre o periférico e o centro. O choque sofrido pelo interior que cresce e não acompanha sua produção artística na mesma medida que acompanha seus índices sócio-econômicos. Dialogar e intercambiar conhecimentos. Mapear a cena cultural. Pesar sua posição geopolítica distante da capital. As obras dos artistas Jonas Staal, Yael Bartana, Gabriel Mascaro, Yochai Avrahami e Halil Altindere vão de encontro às questões pertinentes da cena cultural de São José do Rio Preto.
Muito foi discutido no encontro sobre estratégias de acesso ao grande público à produção artística. Uma sugestão levantada foi a de levar as obras até o público, inseri-las em suas comunidades, no ponto de ônibus, para, em seguida, apresentar o público às obras, no espaço expositivo. Uma isca. Importante ressaltar o papel do Educativo neste contexto. Um grupo bem preparado oferece mais oportunidades de interação, participação e fruição. Não precisamos “saber de arte” para fruir arte. O ato de mediar é imprescindível para o estreitamento entre público e objeto artístico. É importante que a Itinerância de 2015 disponibilize a preparação de um coletivo de pessoas que sejam treinadas para mediar as obras que vierem para a cidade, e, com isso, reduzir o medo do habitante periférico em relação à Arte, com a maiúsculo. A importância de encontrar mecanismos de aproximação os lados. Deslocar as ações para os bairros e escolas. A arte no meio da caminho.
Ideias de conflito, sensação de desconforto, trabalhos colaborativos, obras coletivas. Aproveitar a Itinerância para olharmos a produção local, refletir sobre suas características e indicar caminhos frutíferos é crucial. Devemos fazer isso, agora.
texto: juny kp
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Notas
1 José Antônio da Silva (Sales de Oliveira SP 1909 - São Paulo SP 1996). Pintor, desenhista, escritor, escultor, repentista. Trabalhador rural, de pouca formação escolar, é autodidata. Em 1931, muda-se para São José do Rio Preto, São Paulo. Participa da exposição de inauguração da Casa de Cultura da cidade, em 1946, quando suas pinturas chamam atenção dos críticos Lourival Gomes Machado (1917-1967), Paulo Mendes de Almeida (1905-1986) e do filósofo João Cruz e Costa. Dois anos depois, realiza mostra individual na Galeria Domus, em São Paulo. Nessa ocasião Pietro Maria Bardi (1900-1999), diretor do Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (Masp), adquire seus quadros e deposita parte deles no acervo do museu. O Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM/SP) edita seu primeiro livro, Romance de Minha Vida, em 1949. Na 1ª Bienal Internacional de São Paulo, em 1951, recebe prêmio aquisição do Museum of Modern Art (MoMA) [Museu de Arte Moderna] de Nova York. Em 1966, Silva cria o Museu Municipal de Arte Contemporânea de São José do Rio Preto e grava dois LPs, ambos chamados Registro do Folclore Mais Autêntico do Brasil, com composições de sua autoria. No mesmo ano, ganha Sala Especial na 33ª Bienal de Veneza. Publica ainda os livros Maria Clara, 1970, com prefácio do crítico literário Antônio Candido (1918); Alice, 1972; Sou Pintor, Sou Poeta, 1982; e Fazenda da Boa Esperança, 1987. Transfere-se de São José do Rio Preto para São Paulo, em 1973. Em 1980, é fundado o Museu de Arte Primitivista José Antônio da Silva (MAP), em São José do Rio Preto, com obras do artista e peças do antigo Museu Municipal de Arte Contemporânea. Mais informações
2 Jorge Vermelho, radicado em São José do Rio Preto, inicia seus trabalhos com a Companhia Azul Celeste, em 1989, objetivando desenvolver um trabalho voltado à pesquisa de linguagens no interior do Estado de São Paulo. Com sua companhia, já realizou mais de 25 montagens de diversos autores e acumula em seu currículo mais de 250 prêmios nacionais de teatro. Além de ator e diretor da Companhia Azul Celeste, é diretor artístico do Balé Teatro Castro Alves (Salvador/BA). Mais informações
3 Cascatinha & Inhana foi uma dupla sertaneja formada por Francisco dos Santos (Araraquara, 20 de abril de 1919 -São José do Rio Preto, 14 de março de 1996) e Ana Eufrosina da Silva (Araras, 28 de março de 1923 - São Paulo,11 de junho de 1981). Marido e esposa, juntos formaram uma das principais duplas sertanejas do Brasil. Suas mais famosas músicas foram Índia(1952) que os levou a um grande sucesso, Meu Primeiro Amor (também de 1952) e Colcha de Retalhos (1959). Mais informações